Primeiro Colo, Mesmo?

Gui Olivieri
2 min readJun 27, 2022

Já não tenho tanta certeza de como aconteceu o primeiro colo.

Eu fico empolgado quando escrevo um texto que gosto.

- Amor, você viu a crônica sobre a primeira vez que peguei o Maurício no colo?

- Vi, muito bonito.

- Acredita que achei aquele texto quase pronto no meu computador? Chorei muito quando o li.

- Gui, você chorou ontem, de novo, assistindo Carros 3 pela quinquagésima vez com nosso filho…

- É verdade, mas a história é muito bonita! Nem me lembrava tinha sido assim.

- É mentira.

- Como assim? O que é mentira, Si?

- É mentira. O primeiro colo não pode ter acontecido daquele jeito.

- Claro que pode!

- Gui, você acabou de dizer que não se lembra da situação. E eu sei bem que você até parte de pontos que podem ser reais, mas inventa um bom tanto do que escreve.

Fiquei tão perdido que quase gaguejei.

- Mas achei o arquivo, você sabe que eu sempre coloco data nos meus escritos. Fiz apenas alterações cosméticas e ele foi feito no 58º dia de vida do Maurício.

- Sim, você achou o arquivo. Sim, você sempre põe data. Mas aquela descrição não é verossímil.

Caramba! Achei a história tão crível, me emocionei tanto que estava custando a acreditar naquela trucada seca, na minha cara.

- Vamos lá, paizão: passamos mais de 4 meses “morando” em UTI Neonatal, somadas as internações de Elis e Maurício, não é?

- Certo.

- Quais foram as oportunidades que você viu apenas uma enfermeira de plantão?

- Seguramente, nenhuma.

- Quantas vezes, nesse tempo todo, você viu os profissionais de lá deixarem a gente ficar fora do horário estabelecido?

- Que eu me lembre, isso não aconteceu.

Ela deixou o golpe de misericórdia para o final.

- Você já verificou sua agenda de julho de 2016, para fazer a conferência de seus registros com os horários do texto, né?

O ‘sim’ saiu envergonhado; olhava para o chão.

- Há lá alguma justificativa para você ter se atrasado para a visita do seu filho?

Ela sabe que anoto tudo na agenda; ela vive minha obstinação com pontualidade. Nem respondi, virei as costas e saí de perto.

Suassuna tem razão. É muito melhor escrever uma crônica quando o episódio é ruim de passar.

--

--

Gui Olivieri

Careca e barbado. Marido, pai-pai-e-paiêêê, pretenso baixista, amante de música e escritor amador de vez em quando.