Primeiro Colo, Mesmo?
Já não tenho tanta certeza de como aconteceu o primeiro colo.
Eu fico empolgado quando escrevo um texto que gosto.
- Amor, você viu a crônica sobre a primeira vez que peguei o Maurício no colo?
- Vi, muito bonito.
- Acredita que achei aquele texto quase pronto no meu computador? Chorei muito quando o li.
- Gui, você chorou ontem, de novo, assistindo Carros 3 pela quinquagésima vez com nosso filho…
- É verdade, mas a história é muito bonita! Nem me lembrava tinha sido assim.
- É mentira.
- Como assim? O que é mentira, Si?
- É mentira. O primeiro colo não pode ter acontecido daquele jeito.
- Claro que pode!
- Gui, você acabou de dizer que não se lembra da situação. E eu sei bem que você até parte de pontos que podem ser reais, mas inventa um bom tanto do que escreve.
Fiquei tão perdido que quase gaguejei.
- Mas achei o arquivo, você sabe que eu sempre coloco data nos meus escritos. Fiz apenas alterações cosméticas e ele foi feito no 58º dia de vida do Maurício.
- Sim, você achou o arquivo. Sim, você sempre põe data. Mas aquela descrição não é verossímil.
Caramba! Achei a história tão crível, me emocionei tanto que estava custando a acreditar naquela trucada seca, na minha cara.
- Vamos lá, paizão: passamos mais de 4 meses “morando” em UTI Neonatal, somadas as internações de Elis e Maurício, não é?
- Certo.
- Quais foram as oportunidades que você viu apenas uma enfermeira de plantão?
- Seguramente, nenhuma.
- Quantas vezes, nesse tempo todo, você viu os profissionais de lá deixarem a gente ficar fora do horário estabelecido?
- Que eu me lembre, isso não aconteceu.
Ela deixou o golpe de misericórdia para o final.
- Você já verificou sua agenda de julho de 2016, para fazer a conferência de seus registros com os horários do texto, né?
O ‘sim’ saiu envergonhado; olhava para o chão.
- Há lá alguma justificativa para você ter se atrasado para a visita do seu filho?
Ela sabe que anoto tudo na agenda; ela vive minha obstinação com pontualidade. Nem respondi, virei as costas e saí de perto.
Suassuna tem razão. É muito melhor escrever uma crônica quando o episódio é ruim de passar.